15 de novembro de 2013

"Esta manhã comecei a esquecer-me de ti.
Acordei mais cedo que nos outros dias
e com o mesmo sono.
A tua boca dizia-me "bom dia" mas não:
não o teu corpo todo como nos outros dias.
As sombras por aqui são lentas e hoje não
comprei o jornal: o mundo que se ocupe da
sua própria melancolia.
ontem. há uma semana. há muitos meses.
um ano ensina ao coração o novo ofício:
a vida toda eu hei-de esquecer-me de ti."

Rui Costa

7 de novembro de 2013

"(...)
Porém eu procuro-te.
Antes que a morte se aproxime, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com ódio, ao sol, à chuva,
de noite, de dia, triste, alegre - Procuro-te."

Eugénio de Andrade, in "As Palavras Interditas"

6 de novembro de 2013

"Ainda dói, ainda dói tanto,
ainda tiro uma faca do peito quando te ouço, ainda tiro uma faca do peito quando me lembro que existes,
e depois fica o buraco de um sangue que não pára,
ainda tiro uma faca do peito quando me lembras que existes,
tudo o que faço é para te esquecer,
tudo o que procuro é para não ter de encontrar-te,
ainda me dóis,
ainda me dóis tanto,
meu amor.

Se todas as frases acabam em “amor”: então é amor.
Se todas as frases acabam em amor: então é amor."

Pedro Chagas Freitas


(Não que me lembres que existes. Nem eu te ouço, mas ainda dói. Um pouco.)

28 de outubro de 2013

"Esta manhã encontrei o teu nome nos meus sonhos e o teu perfume a transpirar na minha pele.
E o corpo doeu-me onde antes os teus dedos foram aves de verão e a tua boca deixou um rasto de canções."

Maria do Rosário Pedreira

20 de outubro de 2013

"Os dedos com que me tocou
persistem sob a pele, onde a memória os move.
Tacteiam, impolutos. Tanta vezes
o suor os traz consigo da memória,
que não tenho na pele poro através
do qual eles não procurem sair quando transpiro.

A pele é o espelho da memória."

Luís Miguel Nava

16 de outubro de 2013

"talvez um dia
em que de mim já nada exista
te lembres de dois braços
que te abraçavam convulsivamente
nessa altura
deixa que os lábios te sangrem
deixa que o sangue te corra pelo peito

e as mãos
essas
abandona-as..."

Mário-Henrique Leiria

2 de outubro de 2013

"Procurar-te-ei até te encontrar
Mesmo que só te encontre em corpos
Onde tu não estás."

Herberto Hélder

19 de setembro de 2013

“No limite: fugir é o único motivo que te leva a agir. 
Só te levantas todos os dias para fugir. À fome, ao tédio, ao desejo de teres coisas. 
Só amas a mulher que amas para fugir. À precisão, à necessidade, à dor.
No limite: todos os actos são fugas.
No limite: todos os actos são cobardes.
Até este de escrever. 
Sim: estou a fugir de mim ao escrever para ti.”

Pedro Chagas Freitas, "In Sexus Veritas"

15 de setembro de 2013

Era nos teus olhos que a minha luz incidia.
E, talvez fosse na tua boca que as minhas palavras mudas morriam.
Embrulhadas entre as línguas famintas.
Lembro-me que o calor apertava por entre os poros da pele.
Talvez tenha morrido. Sim. Tantas vezes morri com o teu corpo no meu e sem noção de qual era qual e onde estavas tu ou eu.
Era nos meus olhos que a tua luz incidia.


5 de setembro de 2013

"Foi no cinema, lembras-te? (…) 
Entraste tarde, caíste, ofegante, na cadeira ao meu lado. Depois disseste-me que foi nesse momento que os nossos olhos se encontraram. Mas eu não me lembro dos teus olhos. Lembro-me sim do teu odor corporal, uma mistura excitante de rosas, canela e sexo. (…) O teu cheiro surpreendeu-me pela delicadeza e pela névoa erótica. Encostei o meu braço ao teu e comecei a transpirar. Senti uma vontade violenta de me desmoronar em ti. Não, não era fazer amor. Fazer amor não existe, porra, o amor não se faz. O amor desaba sobre nós já feito, não o controlamos – por isso o sistema se cansa tanto a substituí-lo pelo sexo, coisa gráfica, aparentemente moldável. Também não era foder, fornicar, copular – essas palavras violentas com que tentamos rebentar o amor. Como se fosse possível. Como se o amor não fosse exactamente essa fornicação metafísica que não nos diz respeito – sofremos-lhe apenas os estilhaços, que nos roubam vida e vontade. Eu queria oferecer-te o meu corpo para que o absorvesses no teu. Para que me fizesses desaparecer nos teus ossos. Eu, educado no preceito alimentar de que os rapazes comem as raparigas, depois de uma vida inteira de domínio dos talheres queria agora ser comido por ti. Queria entregar-me nas tuas mãos.

E entreguei-me – terás percebido isso? Deixei de saber quem era. Continuo a precisar de ti para existir. Para dormir."

Inês Pedrosa in "Fazes-me falta"

2 de setembro de 2013

"Às vezes, pequenos grandes terremotos
ocorrem do lado esquerdo do meu peito.

Fora, não se dão conta os desatentos.

Entre a aorta e a omoplata rolam
alquebrados sentimentos.
Entre as vértebras e as costelas
há vários esmagamentos.

Os mais íntimos
já me viram remexendo escombros.
Em mim há algo imóvel e soterrado
em permanente assombro."

Affonso Romano de Sant’Anna

22 de agosto de 2013

"Eles amputaram
As tuas coxas das minhas ancas.
Tanto quanto sei
São todos cirurgiões. Todos eles.

Eles desmantelaram-nos
Um ao outro
Tanto quanto sei
São todos engenheiros. Todos eles.

Que pena. Éramos uma invenção
Tão boa e tão amável.
Um aeroplano feito de um homem e de uma mulher.
Com asas e tudo.
Pairávamos ligeiramente por cima da terra.

Até voávamos um pouco."

Yehuda Amichai

12 de agosto de 2013

"A tua morte é sempre nova em mim.
Não amadurece. Não tem fim.
Se ergo os olhos dum livro, de repente
tu morreste.
Acordo, e tu morreste.
Sempre, cada dia, cada instante,
a tua morte é nova em mim,
sempre impossível.

E assim, até à noite final
irás morrendo a cada instante
da vida que ficou fingindo vida.
Redescubro a tua morte como outros
redescobrem o amor,
porque em cada lugar, cada momento,
tu estás viva.

Viverei até à hora derradeira a tua morte.
Aos goles, lentos goles. Como se fosse
cada vez um veneno novo.
Não é tanto a saudade que dói, mas o remorso.
O remorso de todo o perdido em nossa vida,
coisas de antes e depois, coisas de nunca,
palavras mudas para sempre, um gesto
que sem remédio jamais teve destino,
o olhar que procura e nunca tem resposta.

O único presente verdadeiro é teres partido."

Adolfo Casais Monteiro

7 de agosto de 2013

"Há sonhos que devem permanecer nas gavetas, nos cofres, trancados até o nosso fim.
E por isso passíveis de serem sonhados a vida inteira."

Hilda Hilst

24 de julho de 2013

"Chegámos tarde a nós.
Eu tinha a pele gasta, o coração no fio.
Tu eras um longo muro de cimento areado
em que deixava a carne inteira
a caminho do encontro.

A primavera ficava-nos sempre
à esquerda, e tu cada vez mais
dentro de mim até não sentir nada,
até estares já do outro lado.
Para trás, a cova matinal na almofada,
o postal entre a leitura suspensa,
o número a chamar de um fantasma.

Se apagar as marcas de onde pousaste
a cabeça sobre a minha vida,
se ganhar novo espaço para o fôlego,
faz-me só um favor:
nunca mais me reconheças."

Inês Dias, in Um Estranho No Meu Túmulo

22 de julho de 2013

"Tudo o que tenho para te dizer já foi dito. Porque as palavras não se separam dos corpos, porque apenas o tempo se move. Tudo o que tenho para te dizer é que ainda me faz ter-te. Exijo a dança imóvel das coisas, e depois o toque, e depois o arrepio. O idioma da carne é o poema. Tudo o que tenho para te dizer não consigo dizer. Que me arrancas aos órgãos, que me colhes de apogeu; que me dói seres-me mero fragmento e sentido inteiro. Que não há papel onde te caibas em letras. Tudo o que tenho para te dizer não se diz."

António de Deus-Rosto

17 de julho de 2013

"agora eu era linda outra vez
e tu existias e merecíamos
noite inteira um tão grande
amor

agora tu eras como o tempo
despido dos dias, por fim
vulnerável e nu, e eu
era por ti adentro eternamente

lentamente
como só lentamente
se deve morrer de amor"

valter hugo mãe

14 de julho de 2013

“Quando a mentira entra em casa tudo o resto sai.
E na nossa casa está a mentira. Nós e a mentira. Nós e esta coisa a que chamamos amor – mas que não passará de uma necessidade fisiológica da alma. 
O mais importante é chorar. O mais premente é baixar os braços. Deixá-los ceder. E depois, só depois, procurar, com recurso a outros argumentos, movê-los lá por baixo – sem ninguém notar. 
Todas as mentiras são carnívoras.”

Pedro Chagas Freitas, "In Sexus Veritas"

11 de julho de 2013

"Há dias assim
em que acordamos e percebemos tudo
como se tudo nos estivesse imensamente próximo
como se cada dia nascesse e morresse num abraço
como se a vida coubesse num poema."

José Rui Teixeira

10 de julho de 2013






Ando assim.
Em versão feminina, claro, mas assim.
Sem nada para dizer e com tanto para gritar.










Foto de Jorge Vasconcelos

8 de julho de 2013

"Mas é assim o poema: construído devagar,
palavra a palavra, e mesmo verso a verso,
até ao fim. O que não sei é
como acabá-lo; ou, até, se
o poema quer acabar. Então, peço-te ajuda:
puxo o teu corpo
para o meio dele, deito-o na cama
da estrofe, dispo-o de frases
e de adjectivos até te ver,
tu,
o mais nu dos pronomes. Ficamos
assim. Para trás, palavras e versos,
e tudo o que
não é preciso dizer:
eu e tu, chamando o amor
para que o poema acabe."

Nuno Júdice

3 de julho de 2013

Inevitavelmente...




Esculpi-te no meu corpo.
Desenhei-te na minha pele.
Fotografei-te na memória.
Fatalmente.

2 de julho de 2013

"Foi sempre tão incerto o caminho até ti:
tantos meses de pedras e de espinhos, de
maus presságios, de ramos que rasgavam a
carne como forquilhas, de vozes que me
diziam que não valia a pena continuar, que
o teu olhar era já uma mentira; e o meu

coração sempre tão surdo para tudo isso,
sempre a gritar outra coisa mais alto para 
que as pernas não pudessem recordar as
suas feridas, para que os pés ignorassem
as penas da viagem e avançassem todos
os dias mais um pouco, esse pouco que
era tudo para te alcançar. Foi por isso que,

ao contrário de ti, não quis dormir nessa
noite: os teus beijos ainda estavam todos
na minha boca e o desenho das tuas mãos
na minha pele. Eu sabia que adormecer
era deixar de sentir, e não queria perder os
teus gestos no meu corpo um segundo que
fosse. Então sentei-me na cama a ver-te
dormir, e sorri como nunca sorrira antes
dessa noite, sorri tanto. Mas tu falaste de
repente do meio do teu sono, estendeste o
braço na minha direcção e chamaste baixinho.
Chamaste duas vezes. Ou três. E sempre tão
baixinho. Mas nenhuma foi pelo meu nome."

Maria do Rosário Pedreira

28 de junho de 2013

“Pior do que a morte só matar um amor dentro de nós. E até eu o sei. Até eu o sinto. E é esse o maior dos méritos que ela tem. Ou o maior dos problemas que ela me deixou. O mais perigoso de todos os legados que ela me vai deixar quando eu tiver a força para a deixar. O legado do sentir. Até eu aprendi a sentir quando ela me ensinou a senti-la. 
Ninguém é mais cruel do que aquele que ensina a sentir tudo e depois só oferece uma parte do que sente.”

Pedro Chagas Freitas

24 de junho de 2013

PORQUE ME APETECE#42

"Onde se encontra o que nos perdemos?
O que não te perdoo é fazeres-me feliz. Amar quem nos faz infelizes é uma desgraça; mas amar quem nos faz felizes é uma tragédia. O fim do mundo à mercê de uma só pessoa. É quando te olho que nem a justiça acredita no livre arbítrio. 
Há o perigo de uma morte eterna quando se ama assim. 
Na manhã primeira da tua ausência, até os gatos se esqueceram de miar, deitados no chão como se soubessem que as tuas mãos já não chegam, e a pele que te pediu toda a noite rejeita o sol, porque nada do que dá luz consegue tirar-me uma escuridão assim. Por toda a casa estás tu em toda a casa, o chão com os teus dedos (tão pequenos, os teus dedos, quando caminhavas em silêncio de madrugada, e tudo o que queria era olhar-te a andar de pés descalços ao centro de um mundo que não soubemos guardar), a casa de banho com os teus produtos de limpeza, o teu perfume, o teu champô; estás em todo o lado, permaneces aqui deitada na cama onde me deito contigo, haja quem houver ao meu lado, todas as noites de todos os dias. E é quando te cheiro que acredito que até o nariz sabe o que é amor. 
Amo-te com todos os sentidos do meu corpo. 
Ainda me levanto a acreditar em nós. E se houver uma morte justa é um para o outro que morreremos. “E morreram felizes para sempre” é o que ainda espero da vida.
Não fiques convencida mas acho que és a minha morte favorita. 
Procuro-te em cada mulher que me procura, e em cada uma há um pedaço de ti, um sorriso aqui, uma expressão ali, e é assim que te amo aos pedaços, que te consumo às peças, desesperado e lento, em busca de sensações pequenas que juntas te tragam inteira. Amar é muitas vezes juntar fragmentos para conseguir um todo que não existe, que não voltará a existir, mas que ainda assim continua a existir e nunca deixará de existir. Não sei se é possível a vida depois de ti, mas sei que enquanto houver corpos que te tragam aos poucos vou conseguir aguentar. Volta para sempre ou nunca mais apareças. Imaginar que um dia voltas só me faz imaginar que um dia partes. E eu posso aguentar tudo menos outra vez as tuas costas a virarem, outra vez a sensação de que é possível um corpo ficar oco por dentro quando se perde um amor tão pesado. 
Posso aguentar tudo menos tu inteira a levares-me inteiro. 
Quero a vida toda a amar os teus braços. Quero as conversas sem sentido na cama antes de deitar, o prazer eterno de nos sabermos para sempre; e nada do que é material nos consegue tocar, porque o que nos junta são certezas e nenhuma dúvida sabe qual é a nossa morada. Sabes que és de mim como és da vida, e que por mais afastada que queiras estar só te encontras quando me pertences. Despeço-me de ti todas as noites, imagino-te no teu ritual de adormecimento (mãos entrelaçados como se pedisses ao céu que te desse mais um dia, só mais um dia, de vida para gozar), antes de te abraçares a um qualquer corpo que sabes que sou eu e que eu sei que somos nós. Quando estiveres farta de sofrer podes voltar. E até lá livra-te de não teres todos os orgasmos possíveis, para que regresses pura ao princípio do nosso tempo. 
Somos o orgasmo primordial sempre que regressamos aos corpos. 
E se a imortalidade existir já vem depois de nós."

Pedro Chagas Freitas


(Ficam estas palavras a bailar-me por dentro... Posso aguentar tudo menos tu inteiro a levares-me inteira.)

19 de junho de 2013

"Nunca mais acabas de partir
é um horror a tua viagem
para longe de mim, o teu
regresso a uma vida onde
não tenho lugar, o teu
regresso a um lugar onde
não faço sentido, a tua
infinita partida, os teus
despojos por todo o lado,
é um horror tu dentro de
todos os poemas."

Sarah Adamopoulos

15 de junho de 2013

"Sei das horas muito longas
como estradas de chegar a ti
Uma mão aberta em dedos
um cigarro a arder calado
o copo de um vinho triste
e música às voltas de mim
Sei um nome que já não és
como resto de língua antiga
ou os beijos que me davas
ou o gato que já morreu
Tinhas a boca em forma de dor
e as noites em letras de versos"

Nuno Camarneiro
in http://acordarumdia.blogspot.pt/2013/06/tarde.html

10 de junho de 2013

"Desejei-te ontem, de mais, e hoje também. Todos os dias são o mesmo dia quando te desejo assim. Só penso em ti. És inigualável. De olhos fechados consigo encontrar-te noutros corpos, mas só o teu amo de olhos abertos.

Quando te escrevo tu não foges das minhas páginas. Quando te escrevo tu ressuscitas a minha alma. Acompanho o teu sorriso de longe e de perto, meu príncipe das trevas, lindo. Guardo comigo o teu olhar e sei que te recordas do meu corpo a tentar convencer-te que o meu amor é inteiro, embora nunca o seja bastante. É bom desconfiar do amor porque ele às vezes é traiçoeiro, metamorfoseia-se em reles sentimentos, eras tu que mo dizias. 

Eu não concordo."

Pedro Paixão in Príncipe, Asfixia

8 de junho de 2013

PORQUE ME APETECE#26


"O drama de amar é não haver sucedâneos.
E tudo o resto sabe a merda. Porque houve o teu abraço, porque existe o teu cheiro. Amei-te para sempre mesmo que já não te ame. Ficou em mim a tarde em que pela primeira vez o nosso corpo (o teu arfar a mostrar-me que língua se fala no céu, a tua boca a mostrar-me o tamanho de um beijo), e a partir daí fiquei órfão de um corpo sempre que não fosse o teu corpo. E quando chegou o dia da despedida eu soube que tinha chegado o dia de para sempre. 
O drama de amar é não admitir a morte.
Há uma mulher a mais sempre que amo um corpo que não é o teu. E um homem a menos. Deito-me, aperto, espremo (o encaixe perfeito das tuas costas nos meus braços, o cheiro dos teus lábios no suor do meu pescoço). E até um orgasmo comprova a hipocrisia da carne. Despedi-me de orgasmos quando me despedi de ti. Já me deitei com tantas e é sempre o teu boa noite que me adormece. 
O drama de amar é só criar réplicas.
Tudo o que amo és tu. Uma boca, uma pele, um sexo. Tudo o que amo és tu. E não há mais perfeito oximoro do que "amor novo". Só o teu amor é novo. E não existe sucessão quando se reina assim. Amar-te é uma monarquia fascista, uma ditadura dentro de mim. O que vem depois de ti só vem depois de ti. Sempre depois de ti. A toda a hora depois de ti. O que vem depois de ti só vem depois de mim, e onde eu estou ou estou sozinho à tua espera ou estou sozinho contigo. Se existe amor é porque existes tu."
O drama de amar é amar-te."

Pedro Chagas Freitas

(É tão, mas tão isto... que até arrepia de tanto ser isto e pedir que não fosse nada disto!)

7 de junho de 2013

“Podias ter fodido tudo menos a ilusão. (...)
A maior filhadaputice do mundo é o fim de uma ilusão. (...)
Quando se fode a ilusão, está tudo fodido. (...)”

Pedro Chagas Freitas


(Um dia publico o texto todo. Mas hoje não, não se adequa. Hoje é só isto. Descobri que me fodeste a ilusão.)

5 de junho de 2013



Quisera eu entender.
Puderas tu perceber.
O porquê de a cor dos meus olhos
apenas combinar com a cor dos teus.

31 de maio de 2013

"Toca-me

conjuga um verbo que conheças
no presente do indicativo,
soletra-o na segunda pessoa
do singular ao meu ouvido,
dá-me qualquer coisa
que me pareça eterno."

José Rui Teixeira

29 de maio de 2013

"Passo a noite na madrugada do teu corpo. E os minutos não se contam pelo relógio, nem pelo passar das horas; entre mim e tu há um compromisso tácito de elevar o minuto à categoria de para sempre. Nada nos aparta o sonho senão a concretização desse sonho. Sabes: um dia acordei e não estavas e foi então (toda a minha pele já o sabia antes mas eu ainda só desconfiava) que percebi que acordar é um gesto contigo dentro. E deixei-me ficar, volta após volta, na cama, à espera de que voltasses de onde estavas, à espera de que me desses licença para acordar. Amamo-nos sem pedir licença e é por isso que o olhar de um transporta o “sim, permito” de que o olhar do outro precisa. Nesse dia não voltaste e eu aos poucos fui-me recordando de que tinha um corpo para alimentar, de que havia uma fome para saciar. Mas é a cabeça que manda no que sou. E estás por dentro de tudo o que penso como a água está por dentro do vinho. Estás-me como água no vinho – como uma impreterível necessidade, como uma desesperante precisão. Somo-nos água por dentro do vinho e toda a gente sabe que se tirares a água do vinho ficas com tudo – menos com vinho. E o corpo começou a ceder, e tu não vinhas, e o corpo queria comer e beber e aquelas coisas inúteis que são a madrugada quando a madrugada não é a do teu corpo. Doía-me tudo e mesmo assim tenho a certeza de que se chegasses tudo deixaria, nesse mesmo instante, de doer. E bastaria um beijo, um “desculpa o atraso”, um “amo-te para depois do que preciso”, para todo o corpo entrar na ordem necessária. É o teu corpo que organiza o meu, as tuas palavras que me ensinam as minhas. Não vieste. E a madrugada desfez-se e a noite chegou outra vez (nem me lembro se houve dia, sem ti nunca me lembro se chegou a haver dia). O meu corpo às voltas pela cama, o meu corpo à procura de parar. Onde está o teu corpo que preciso do meu?, perguntava, e não havia maneira de parar, as pernas choravam, os braços choravam, os olhos, até eles (que estranho), choravam. Fiquei a saber, nessa madrugada depois da madrugada em que não apareceste, que havia outras madrugadas no teu corpo, outros corpos a caminhar na tua madrugada; fiquei a saber que estaria, desde aí até hoje (até todos os hojes), impedido de acordar. É assim que agora, todos os dias, abro os olhos: com todo o cuidado, em silêncio, para não correr o risco de acordar. Morre uma pessoa sempre que acorda sem o corpo, sabias? O meu ainda subsiste, diz-se por aí que sempre às voltas, que sempre apeado de parar. Mas ainda à espera da tua madrugada. Ainda à espera de que chegues e digas “desculpa o atraso”, “perdoa-me mas enganei-me na madrugada”. Eu depois tocarei na tua cara como se sentisse o toque da vida e direi apenas que “todos temos o direito de nos equivocarmos nas madrugadas” e ainda que “todas as madrugadas são enganos passageiros”. E depois irei abrir-te os braços e dizer-te que somos uma madrugada só. E que tudo o que vem depois de nós é a noite. Há um compromisso tácito, lembras-te?, entre mim e tu: elevar o minuto à categoria de para sempre. E no meu minuto nada avança sem a tua permissão. Para sempre."

Pedro Chagas Freitas

(Ainda à espera da tua madrugada... para que te possa abrir os braços.)

28 de maio de 2013



Nos últimos tempos tens-me tomado conta das horas.
Hoje, acredita que nem os milésimos de segundo te escapam.
Sinto-me impotente perante tudo o que sinto.
Não sou eu que me comando, és tu.
É assombroso o poder que tens nas mãos.
És-me.
Na teimosia das horas que passam lânguidas pelo dia.
És-me.
No cinzento da noite que escorre pelos vidros da janela do quarto.
És-me.
Nos olhos baços que esperam o incêndio do teu sorriso.
És-me.
No corpo cansado, abatido, agastado, inquieto da falta da cor do teu abraço.
És-me... preenches e enches tudo com as cores que te sei.



J

27 de maio de 2013



Traz-me ao corpo a mesma impaciência com que percorro o teu.
Procura-me por dentro.
Mata-me a culpa de te querer assim tão meu... sedenta de ti, de nós.
Mostra-me o gemido, a dor, o arfar, o suster a respiração, a ânsia, a sofreguidão.
Dá-te a cada segundo em que me sentes no pulsar. Sacia-me.
Pega-me, vira-me, agarra-me, toma-me, lambe-me... deixa-me extenuada ante ti.
Enraíza-te.

26 de maio de 2013

"Queria dizer-te. Queria.
Queria olhar-te. Olhar-te com força - como se olha com força? E dizer-te.
Dizer-te que sim. Sempre sim. Desde o primeiro não que sim.
Dizer-te que quero. Olhar-te com força. Dizer-te. Queria.
Dizer-te. Negar o não. Negar o não que desde sempre - onde começou
o sempre? - foi sim.
Dizer-te menti. Dizer-te fugi. Dizer-te parti.
Queria. Dizer-te aqui. Dizer-te agora. Dizer-te já.
Queria. Sempre queria.
Queria, amor. Amor.
O imperfeito. Queria. O imperfeito.
Amor."

Pedro Chagas Freitas, in Separação de Males


(E eu queria que o fizesses. Que o dissesses. Que me olhasses... e me visses. Queria. Sim. Amor.)

25 de maio de 2013

22 de maio de 2013

"No silêncio que guardo
quando partes

que escondes sob os
dedos

que se prende

que me deixa no corpo
este calor
da falta do teu corpo como sempre"

Maria Teresa Horta, in As Palavras do Corpo

21 de maio de 2013

"Se me esfolassem agora
encontrariam o teu nome
colado num dos meus ossos.

De mim continuariam a nada entender.
Quanto a mim, sei que sou teu."

Manuel Cintra

19 de maio de 2013

"desenha com a ponta dos teus dedos
as fronteiras exactas do meu rosto
as rugas     os sinais     a cicatriz que ficou da infância
o lento sulco das lâminas onde no peito
se enterra o mistério do amor

e diz-me
o que de mim amaste noutros corpos
noutras camas     noutra pele

prometo que não choro mas repete
as palavras um dia minhas que sem querer
misturaste nas tuas e levaste
com as chaves de casa e os documentos do carro
- e largaste sobre a mesa com o copo de gin a meio
na primeira madrugada em que me esqueceste"

Alice Vieira, in Dois Corpos Tombando na Água

13 de maio de 2013

A pele.
É tudo a pele.
Na pele.
Sob a pele.
E, por momentos, preferia desfazer-me dela, inundada do teu suor.
E depois de ti, que tens toda a minha pele tatuada na ponta dos dedos e da língua.

É na pele que te sinto. 
Borbulhas-me nos poros.
Danças no sangue que me corre nas veias.
És o formigueiro na ponta dos meus dedos.
Apoderas-te do meu corpo sem pedir licença.
Moras-me dentro, sem apelo nem agravo.
Sem pagar renda. Sem sequer saber que lá moras.
Sou-te mais do que me sou, do que me sinto minha.
Moras-me dentro.

10 de maio de 2013

"Há na intimidade um limiar sagrado,
encantamento e paixão não o podem transpor -
mesmo que no silêncio assustador
se fundam os lábios e o coração se rasgue de amor.

Onde a amizade nada pode
nem os anos da felicidade mais sublime e ardente,
onde a alma é livre, e se torna estranha
à vagarosa volúpia e seu langor lento.

Quem corre para o limiar é louco,
e quem o alcançar é ferido de aflição.

Agora compreendes porque já não bate,
sob a tua mão em concha, o meu coração."

Anna Akhmátova

8 de maio de 2013

"Vou guardar as tuas mãos na paixão que tenho por ti,
mas não te posso revelar o meu nome, nem precisas de o saber.
Chama-me o que quiseres, dá-me um nome para que possamos amarmo-nos.
Aquele que tinha perdi-o no caminho até aqui.
Pertencia a outra paixão, e já a esqueci.
Dá-me tu um nome para eu poder ficar contigo..."

Al Berto, in Lunário

7 de maio de 2013

"A pele é o meu único limite
atravessa-a
onde a luz é mais forte
não feches lá fora o mundo
nem a mim cá dentro

mostra-me
que o sol no céu
é o sonho em mim própria
a realidade ardente
quando me mordes
e me fazes sentir
que não há diferença
entre lado de fora e lado de dentro
entre dor e carícia
pedra e palavra

porosa às tuas investidas
sou aquela que
se abre em desejo
de existir no mundo
em todo o lado e ao mesmo tempo

dá-me o que tens
de tudo
não exijo mais nada."

Pia Trafdup

6 de maio de 2013

"Por um rosto chego ao teu rosto,
noutro corpo sei o teu corpo.
Num autocarro, num café me pergunto
porque não falam o que vai
no seu silêncio aqueles cujo olhar
me fala da solidão.
Esqueço-me de mim. Tão quieto
pensando na sua pouca coragem, a minha
sempre adiada. Por um rosto
chegaria o teu rosto, mesmo de um convite
ousado fugiria, esta mão conhece-te
e desenha no ar o hábito
por que andou antes de saíres
do espaço à sua volta. Estás longe,
só assim podes pedir algumas horas
aos meus dias. Sem fixar a voz
a tua voz é uma corda, a minha
um fio a partir-se."


Helder Moura Pereira in De Novo as Sombras e as Calmas, Lisboa: Contexto 1990

4 de maio de 2013

(...)
...tudo o que eu gostaria de ter aqui está tão longe, não sei aonde, está longe o amor que às vezes esperava. E não virá...
Consolo a minha saudade com fotografias tuas. Mas sei que há muito se apagaram os sorrisos do teu rosto.
Envelhecemos separados, tenho pena, agora já é tarde, estou cansado demais para as alegrias dum reencontro. Não acredito na reconciliação ainda menos no sorriso que fizeste para as fotografias...
(...)

Al Berto, in Diários, edição Assírio, 2012


(Já eu, não me consolo com fotografias tuas, até porque nem as tenho, mas também não acredito em nada que venha de ti.)

3 de maio de 2013

"Conheço o sal da tua boca, o sal
da tua língua (...)

A todo o sal conheço que é só teu,
ou é de mim em ti, ou é de ti em mim,
um cristalino pó de amantes enlaçados."

Jorge de Sena, in Conheço o Sal e Outros Poemas

1 de maio de 2013

“Ao mesmo tempo que já não te amo não amo mais nada, só a ti, ainda.
Esta noite chove. Chove em volta da casa e sobre o mar também. O filme vai ficar assim, como está. Não tenho mais imagens para lhe dar. Já não sei onde estamos, em que fim de que amor, em que recomeço de que outro amor, em que história nos perdemos. Sei apenas quanto ao filme. Apenas quanto ao filme, sei, sei que nenhuma imagem mais poderia prolongá-lo.

Já não te amo como no primeiro dia. Já não te amo. No entanto continuam em volta dos teus olhos, sempre, estas imensidades que rodeiam o olhar e esta existência que te anima no sono.

Continua também esta exaltação que me vem por não saber o que fazer disto, deste conhecimento que tenho dos teus olhos, das imensidades que os teus olhos exploram, por não saber o que escrever sobre isso, o que dizer, e o que mostrar da sua insignificância original. Disso, sei apenas o seguinte: que já não posso fazer nada a não ser suportar esta exaltação a propósito de alguém que estava ali, de alguém que não sabia que vivia e de quem eu não sabia que vivia, de alguém que não sabia viver dizia-te eu, e de mim que o sabia e que não sabia que fazer disso, desse conhecimento da vida que ele vivia, e que também não sabia que fazer de mim.

Estou num amor entre viver e morrer. É através desta ausência do teu sentimento que reencontro a tua qualidade, essa, precisamente, de me agradares. Penso que apenas me interessa que a vida não te deixe, outra coisa não, o desenvolvimento da tua vida deixa-me indiferente, não pode ensinar-me nada sobre ti, só pode tornar-me a morte mais próxima, mais admissível, sim, desejável.

É assim que permaneces face a mim, na doçura, numa provocação constante, inocente, impenetrável.
E tu não sabes.”

Marguerite Duras, O Homem Atlântico


(É assim... E tu não sabes... Não sabes mesmo.)

28 de abril de 2013






Tudo se move vagarosamente por aqui.
E em mim.

Existe a memória da pele.
E os sons.

25 de abril de 2013

"E lembro-me de ti como uma faca, uma faca profunda, a lâmina infinita de uma faca espetada infinitamente em mim."

José Luís Peixoto, Lunar

22 de abril de 2013

"A ferida por baixo da cicatriz
- quem cura?"

Vasco Gato, Primeiros Socorros

19 de abril de 2013


"Every new beginning comes from some other beginning's end."


E, no fundo, apenas desejamos que o novo começo seja em tudo diferente do anterior.

15 de abril de 2013

“Para te ver bastava fechar os olhos com força e eras outra vez tu, igual a ti própria. O abismo entre querer-te e ter-te afundava-me. A doce paz de te sonhar trazia consigo uma discórdia infinda, de mim para comigo. Não sabia onde estavas, com quem, de que maneira. É normal que já não se entendesse o que nos unia, se nem eu já era capaz desse esforço. O amor tornara-se uma forma de tortura recíproca.”

Pedro Paixão in Fatalidade, O mundo é tudo o que acontece

14 de abril de 2013


Para onde vais quando fechas os olhos? Quando descansas a cabeça em outras almofadas, deitado em outras camas, com outros lençóis a cobrirem-te o corpo.
Para onde vais quando fechas os olhos? Quando te abraçam outros braços e te beijam outros lábios.
Diz-me. Para onde vais? Em que pensas? Quando fechas os olhos?
Não, não me digas. Não quero saber. Não me interessa.
Sonhas? Viajas? Diz-me... ou fecha-me os olhos.

10 de abril de 2013


Calo cá dentro o que grito de boca fechada.
Amarro as letras uma a uma para que não me saiam disparadas e sem pedir licença.
Se me olharem nos olhos, vêem-nas amordaçadas. Querem sair e eu engulo-as, mais uma vez.
Não é difícil ler-me, não assim, quando me entupo de letras e palavras e pontuações e acentos.
Vejo-as desenhadas na pele. Provocam sulcos. Querem ar.
Toda eu sou frases, prosa, poema, verso... À espera de se cravarem em papel.

7 de abril de 2013


Não sei se te posso dizer, mas ainda me bates no peito.
Cada vez que piso o caminho que te leva para fora, parece que o sentes.
Sinto no peito uma batida tão forte que me corta a respiração, tipo desfibrilador.
Quase diria que pensas que nos entretantos em que piso outro caminho, que morro, e que os teus choques me devolvem a vida ou a suposta lucidez.
Quase diria que me avisas a que não te esqueça. 
Quase diria que assim me mantens tua sem, no entanto, me quereres.
Quase. Mas não digo.
Não te digo.
Que me bates no peito. Ainda.

6 de abril de 2013

"At the frontier of the skin no dogs patrol. That was it. At the frontier of the skin. Where I end and you begin. Where I cross from sin to sin. Abandon hope and enter in. And lose my soul. At the frontier of the skin no guards patrol.

At the frontier of the skin mad dogs patrol. At the frontier of the skin. Where they kill to keep you in. Where you must not slip your skin. Or change your role. You can't pass out I can't pass in. You must end as you begin. Or lose your soul. At the frontier of the skin armed guards patrol."

Salman Rushdie, The Ground Beneath Her Feet

30 de março de 2013

27 de março de 2013

Diz que o Mundo é pequeno.
Diz que quem procura, acha.
Diz que quem espera sempre alcança.
É, diz que sim. E diz muito mais coisas.

Por vezes na pequenez do Mundo, nem uma girafa se encontra.
Se quem espera sempre alcança, porque razão haveria de procurar?
Ou se quem procura, acha, porque razão haveria de esperar?
Se fosse assim tão simples e eficaz, não haveriam metade dos poemas de amor e
eu, muito provavelmente, não estaria aqui a escrever parvoíces.
É, diz que sim, diz.

25 de março de 2013

Nos meus momentos mais quietos, bailas-me por entre os pensamentos.
São segundos em que te afasto com um abanar de cabeça e um retomar da realidade, como se me fosses viral.
São segundos que parecem horas, em que te vejo sorrir-me, em que rimos juntos, em que nos amamos, em que a tua mão está na minha e o meu espaço preenchido por ti e o teu por mim...
Segundos. E eu afasto-te. Ou tento. Pelo menos.
Não sei ver-te como realmente és. Vejo-te toldado pelo que sinto, pelo que me fizeste sentir.
Jamais te imaginaria assim... tão longe do que me foste.

23 de março de 2013

A linha com que me coseste perdeu a cor.
A pele que me coseste perdeu a linha.
As costuras perderam a pele.
A pele. As costuras. A linha.
Confundem-se. Num todo perdido.

É tudo pele. Cheiro. Toque. Som.
Gemido. Grito,
Luxúria. Desejo. Amor.
Tudo se confunde. Tudo num todo.

Eu. Tua.
Tu. Meu.
Perdidos no todo que se confunde com tudo.

19 de março de 2013

Talvez a casa esteja maior, sinto-a mais ampla.
Talvez porque as paredes a alargaram.
Talvez porque sinto o coração mais leve.

Talvez.

18 de março de 2013

"Quero que saibas 
uma coisa. 

Sabes como é: 
se olho 
a lua de cristal, o ramo vermelho 
do lento outono à minha janela, 
se toco 
junto do lume 
a impalpável cinza 
ou o enrugado corpo da lenha, 
tudo me leva para ti, 
como se tudo o que existe, 
aromas, luz, metais, 
fosse pequenos barcos que navegam 
até às tuas ilhas que me esperam. 

Mas agora, 
se pouco a pouco me deixas de amar 
deixarei de te amar pouco a pouco. 

Se de súbito 
me esqueceres 
não me procures, 
porque já te terei esquecido. 

Se julgas que é vasto e louco 
o vento de bandeiras 
que passa pela minha vida 
e te resolves 
a deixar-me na margem 
do coração em que tenho raízes, 
pensa 
que nesse dia, 
a essa hora 
levantarei os braços 
e as minhas raízes sairão 
em busca de outra terra. 

Porém 
se todos os dias, 
a toda a hora, 
te sentes destinada a mim 
com doçura implacável, 
se todos os dias uma flor 
uma flor te sobe aos lábios à minha procura, 
ai meu amor, ai minha amada, 
em mim todo esse fogo se repete, 
em mim nada se apaga nem se esquece, 
o meu amor alimenta-se do teu amor, 
e enquanto viveres estará nos teus braços 
sem sair dos meus."

Pablo Neruda, in "Poemas de Amor de Pablo Neruda"

16 de março de 2013

"Through your lens the sequoia swallowed me
like a dryad. The camera flashed & forgot.
I, on the other hand, must practice my absent-
mindedness, memory being awkward as a touch
that goes unloved. Lately your eyes have shut
down to a shade more durable than skin's. I know you
love distance, how it smooths. You choose an aerial view,
the city angled to abstraction, while I go for the close
exposures: poorly-mounted countenances along Broadway,
the pigweed cracking each hardscrabble backlot.
It's a matter of perspective: yours is to love me
from a block away & mine is to praise the grain-
iness that weaves expressively: your face."


Alice Fulton, "Yours & Mine"

14 de março de 2013

"mas já me doem as veias quando te chamo
o coração oxidado enjaulou a vontade de te amar
os dedos largaram profundas ausências sobre o rosto
e os dias são pequenas manchas de cor sem ninguém


ficou-me este corpo sem tempo fotografado à sombra da casa
onde a memória se quebra com os objectos e amarelece no papel
pouco ou nada me lembro de mim
em tempos escrevi um diário perdido numa mudança de casa
continuo a monologar com o medo a visão breve destes ossos 

suspensos no fulcro da noite por um fio de sal"

Al Berto, in O Medo