29 de novembro de 2014

4 de outubro de 2014

24 de setembro de 2014

"O corpo tem degraus, todos eles inclinados
milhares de lembranças do que lhe aconteceu
tem filiação, geometria
um desabamento que começa do avesso
e formas que ninguém ouve
O corpo nunca é o mesmo
ainda quando se repete:
de onde vem este abraço que toca no outro,
de onde vêm estas pernas entrelaçadas
como alcanço este pé que coloco adiante?
Não aprendo com o corpo a levantar-me,
aprendo a cair e a perguntar."

José Tolentino Mendonça, in "Estação Central"

16 de setembro de 2014

Resta-me abraçar-te em suspenso.
Como quando te privas do ar.
Exactamente quando inspiras fundo e permaneces assim... pendente.
Os segundos que se apartam uns dos outros.
Talvez seja isso que nos resta. Abraçar-te em suspenso.
Para que te encontres. Para que perdure. Só mais um pouco.

15 de setembro de 2014

Cobres-me os poros de uma tinta opaca.
Desenhas com as pontas dos dedos coisas imperceptíveis. Letras. Símbolos. Códigos.
Cegas-me com a luz que emanas quando o teu olhar me procura. Por entre o teu corpo. Escondida.
Acredita que me ensurdeces quando da tua boca saem melodias estranhas. Palavras esquivas. Sons obtusos.
É precisamente o me seres estranho que me dá abrigo.
E gosto. Gosto-te estranho. Louco. Difuso. Apraz-me tentar encontrar-te o fio da meada.
Seduz-me obedecer-te. Estranhamente.
E obedeço. Cumpro. Deixo que me leves. Que me coordenes os movimentos.
Ris. Rimo-nos.
Nus. Crus.
E caem por terra todas as premissas.


16 de julho de 2014

"Tocas-me na pele e eu sei que vivo, as mãos procuram o teu corpo à procura da salvação dos teus ossos."

in "Prometo Falhar", de Pedro Chagas Freitas

29 de maio de 2014

Lembras-me o cheiro a Primavera, o sorriso tímido, o passeio no jardim.
É por esta altura que o meu coração se sente mais apertado.
E por mais que em outros dias não te recorde, que te tape o sorriso com folhas de outros livros e te esconda as palavras com pautas de outras músicas, nestes... enfim... assolas-me.
Talvez nem me redescobrindo por inteiro te consiga colocar fora de mim.

28 de abril de 2014

"nem sequer telefonaste
tentava caminhar e tudo o que conseguia era bater
com a cabeça no lavatório tentava lembrar-me do meu nome
e só um rápido movimento de barbatanas sujas me aflorou a boca
esperei que viesses ao entardecer
abrisses os braços para mim
esperava que surgisses como um osso de luz reconhecível
mesmo durante a noite esperei
que me prendesses de novo para que não me enchesse o quarto
de peixes de enxofre devoradores de paredes
e tu nunca vieste
mais nada me poderia acontecer
o teu rosto chegava-me à memória como mancha de fumo
longínqua nódoa de água e sangue
nos pulsos
uma mancha e tu não chegaste

desculpa
o que te queria dizer talvez não fosse isto
a solidão turva-se-me de lágrimas
e nas pálpebras tremem visões do meu delírio
olho as fotografias de antigos desertos
corpos coerentes que fomos
bocas de papel amarelecido
onde a sede nunca encontrou a sua água
a às vezes ainda tenho sede de ti"

al berto

26 de março de 2014

"Lá porque estou vacinada contra a dengue não me vou oferecer aos mosquitos,
dizes tantas coisas só tuas e a puta da minha sorte por te ter aqui, amei-te antes de saber  e se calhar é só assim que se ama, sei lá, digo eu, que antes de ti pensava na impossibilidade de uma boca assim,
na primeira vez em que dormimos juntos esquecemo-nos de dormir,
a varanda do meu minúsculo apartamento aberta, o Inverno lá fora e um inferno feliz cá dentro,
tinhas uma caveira a rir estampada nas cuecas, ou então era o meu corpo contente que estava a rir-se e a caveira estava morta como as outras,
éramos proibidos mas amámo-nos à maneira de Deus, até que a morte nos separasse, claro está, o problema é que havia várias mortes para experimentar e é por isso que ainda aqui estamos,
quantas vezes é possível amar-te pela primeira vez?,
quero mais uma, só esta, hoje viemos para um hotel para morrermos melhor,
quero uma cama destas em casa,
e deitas-te,
gosto quando brincas aos adultos comigo, inventas expressões que ninguém faz, falas-me das maiores superficialidades do mundo, a outra que tem um blogue foi ao Brasil, há saldos na Zara,
e o poema está na voz, não no verso,
abraçámo-nos há bocado nas escadas rolantes, posso garantir-te que um casal de adolescentes teve inveja da nossa inconsequência,
quando te abraço espero um abraço, e que sejas tu,
excita-me o nosso tédio, as tuas mãos no pêlo do meu peito,
ser feliz é tão simples, não é?,
vou olhando para ti enquanto te vejo, os teus lábios parecem nuvens quando te olho por cima dos óculos e de uma frase,
lembrei-me hoje de manhã das vezes em que te fiz chorar, e chorei,
sou tão pouco para o teu tamanho, escrevo umas merdas que só eu entendo, e é inexplicável tu seres minha,
um dia candidato-me ao Nobel com a tua pele,
tocar-te fez de mim escritor, e com um bocado de sorte gente,
escrevo para te amar melhor, acho que já escrevi isto mas aqui fica de novo, o mais irónico é que enquanto escrevo sentes a minha falta,
talvez escreva também para saber que me queres, quem sabe?, mas certo certo é que escrevo antes de mais para te levar para a cama, ou pensavas que não?,
podia inventar uma Bíblia só para a minha fé por ti, mas não me livres do mal, ámen,
lá porque estou vacinada contra a dengue não me vou oferecer aos mosquitos,
repetes,
já te disse que sei de cor os teus dentes desalinhados quando sorris?,
temos só esta noite para nos amarmos esta noite,
porque precisei de ti para viver assim?,
há que escolher entre amar e escrever, e eu escolho a ti,
talvez um dia saiba de que lado estás."

Pedro Chagas Freitas

14 de março de 2014

PORQUE ME APETECE#3

“Podias ter fodido tudo menos a ilusão.”
Na esplanada onde nos conhecemos, o fim do mundo num fim de tarde como o fim de tarde em que a vida começou a fazer sentido.
“A maior filhadaputice do mundo é o fim de uma ilusão.”
E a cidade parece fechar-se a cada passo que dou. Já não há as tuas palavras. Já não há as tuas mãos, a pele rugosa – “são as mãos da minha alma; por dentro sou uma adorável velhinha” – das tuas mãos. E o tempo. O tempo é como uma penitência que tenho de pagar.
A cada minuto sem ti vivo toda a vida que tive contigo.
A esplanada sem o teu corpo, a esplanada sem a tua voz. A crueldade de um mundo feliz. Como se pode ser feliz quando se amou assim?
“Quando se fode a ilusão está tudo fodido.”
Disse-te que aguentava. Disse-te que o sentido da vida estava em continuar. Acreditei. Acreditei mesmo que havia um continuar. E há. Tudo o que faço é mesmo isso, apenas isso. Desesperadamente isso. Continuar. Sem ti continuo. Continuo-me.
Perder-te mudou tudo mesmo que tudo continue na mesma.
Já não sei há quanto tempo morri. Há quanto tempo a esplanada vazia. Há quanto tempo as tuas costas – “agarra-me assim, aperta-me assim, gosto de sentir o teu peito atrás de mim, o teu sexo a crescer por debaixo das calças” -, a distância das tuas costas na esplanada em que tudo se fez e tudo se desfez. Já não sei onde fica a vontade de mais um dia.
“Não penses que por te odiar não te amo.”
A ilusão. A cabra da ilusão. Deixei que caísse. Deixei que escorregasse. Deixei que a vida tomasse conta de nós. E a preguiça. A cabra da preguiça. Deixei que avançasse sobre nós, que conquistasse, dia a dia, um palmo de terreno. Deixei que a casa onde duas pessoas se amavam passasse a ser a casa onde duas pessoas moravam.
As casas não servem para morar; as casas servem para amar.
A nossa ainda aqui está. Nossa mesmo que só um homem perdido aqui persista. O teu armário intacto, as tuas dedadas no vidro como prova de que ainda existes. O espelho em que te vias depois de te vires – “gosto de saber como parece um orgasmo, o que me faz um orgasmo à pele” – e a mensagem que escrevi com lágrimas e o batom que esqueceste na mesinha de cabeceira: “Há sempre tempo para mais uma ilusão.”
Volta agora ou morre para sempre.
E se já for tarde demais esquece o relógio e anda.
Um abraço teu chega sempre a horas.

Pedro Chagas Freitas

9 de março de 2014

"A tua ausência é tão real
como os vastos campos de girassóis
secos, envelhecidos, quase mortos.
Alugo a voz e a expressão
a par de todos os espaços
deste lugar que se inicia.
Tudo isto é simples:
tenho o coração desarrumado.
Vem."

Filipa Leal

23 de fevereiro de 2014

"Se o vires, diz-lhe que o tempo dele não passou;
que me sento na cama, distraída, a dobar demoras
e, sem querer, talvez embarace as linhas entre nós.
Mas que, mesmo perdendo o fio da meada por
causa dos outros laços que não desfaço, sei que o
amor dá sempre o novelo melhor da sua mão. Se

o encontrares, diz-lhe que o tempo dele não passou;
que só me atraso outra vez, e ele sabe que me atraso
sempre, mas não de mais; e que os invernos que ele
não gosta de contar, mas assim mesmo conta que nos
separam, escondem a minha nuca na gola do casaco,
mas só para guardar os beijos que me deu. Se o vires,

diz-lhe que o tempo dele não passa. Fica sempre."

Maria do Rosário Pedreira

20 de fevereiro de 2014

"Falta-me o cheiro do teu suor, o brado do teu gemido. Falta-me a sombra do teu corpo, os olhos do teu sonho. Faltas-me como se me faltasse a vida. Faltas-me como se me faltasse. Tão-somente isso: faltas-me como se me faltasse."

Pedro Chagas Freitas, in "O Livro dos Loucos"

26 de janeiro de 2014

"Deram-me o silêncio para eu guardar dentro de mim
A vida que não se troca por palavras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
As vozes que só em mim são verdadeiras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
A impossível palavra da verdade.

Deram-me o silêncio como uma palavra impossível,
Nua e clara como o fulgor duma lâmina invencível,
Para eu guardar dentro de mim,
Para eu ignorar dentro de mim
A única palavra sem disfarce -
A Palavra que nunca se profere."

Adolfo Casais Monteiro