14 de março de 2014

PORQUE ME APETECE#3

“Podias ter fodido tudo menos a ilusão.”
Na esplanada onde nos conhecemos, o fim do mundo num fim de tarde como o fim de tarde em que a vida começou a fazer sentido.
“A maior filhadaputice do mundo é o fim de uma ilusão.”
E a cidade parece fechar-se a cada passo que dou. Já não há as tuas palavras. Já não há as tuas mãos, a pele rugosa – “são as mãos da minha alma; por dentro sou uma adorável velhinha” – das tuas mãos. E o tempo. O tempo é como uma penitência que tenho de pagar.
A cada minuto sem ti vivo toda a vida que tive contigo.
A esplanada sem o teu corpo, a esplanada sem a tua voz. A crueldade de um mundo feliz. Como se pode ser feliz quando se amou assim?
“Quando se fode a ilusão está tudo fodido.”
Disse-te que aguentava. Disse-te que o sentido da vida estava em continuar. Acreditei. Acreditei mesmo que havia um continuar. E há. Tudo o que faço é mesmo isso, apenas isso. Desesperadamente isso. Continuar. Sem ti continuo. Continuo-me.
Perder-te mudou tudo mesmo que tudo continue na mesma.
Já não sei há quanto tempo morri. Há quanto tempo a esplanada vazia. Há quanto tempo as tuas costas – “agarra-me assim, aperta-me assim, gosto de sentir o teu peito atrás de mim, o teu sexo a crescer por debaixo das calças” -, a distância das tuas costas na esplanada em que tudo se fez e tudo se desfez. Já não sei onde fica a vontade de mais um dia.
“Não penses que por te odiar não te amo.”
A ilusão. A cabra da ilusão. Deixei que caísse. Deixei que escorregasse. Deixei que a vida tomasse conta de nós. E a preguiça. A cabra da preguiça. Deixei que avançasse sobre nós, que conquistasse, dia a dia, um palmo de terreno. Deixei que a casa onde duas pessoas se amavam passasse a ser a casa onde duas pessoas moravam.
As casas não servem para morar; as casas servem para amar.
A nossa ainda aqui está. Nossa mesmo que só um homem perdido aqui persista. O teu armário intacto, as tuas dedadas no vidro como prova de que ainda existes. O espelho em que te vias depois de te vires – “gosto de saber como parece um orgasmo, o que me faz um orgasmo à pele” – e a mensagem que escrevi com lágrimas e o batom que esqueceste na mesinha de cabeceira: “Há sempre tempo para mais uma ilusão.”
Volta agora ou morre para sempre.
E se já for tarde demais esquece o relógio e anda.
Um abraço teu chega sempre a horas.

Pedro Chagas Freitas

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