24 de junho de 2013

PORQUE ME APETECE#42

"Onde se encontra o que nos perdemos?
O que não te perdoo é fazeres-me feliz. Amar quem nos faz infelizes é uma desgraça; mas amar quem nos faz felizes é uma tragédia. O fim do mundo à mercê de uma só pessoa. É quando te olho que nem a justiça acredita no livre arbítrio. 
Há o perigo de uma morte eterna quando se ama assim. 
Na manhã primeira da tua ausência, até os gatos se esqueceram de miar, deitados no chão como se soubessem que as tuas mãos já não chegam, e a pele que te pediu toda a noite rejeita o sol, porque nada do que dá luz consegue tirar-me uma escuridão assim. Por toda a casa estás tu em toda a casa, o chão com os teus dedos (tão pequenos, os teus dedos, quando caminhavas em silêncio de madrugada, e tudo o que queria era olhar-te a andar de pés descalços ao centro de um mundo que não soubemos guardar), a casa de banho com os teus produtos de limpeza, o teu perfume, o teu champô; estás em todo o lado, permaneces aqui deitada na cama onde me deito contigo, haja quem houver ao meu lado, todas as noites de todos os dias. E é quando te cheiro que acredito que até o nariz sabe o que é amor. 
Amo-te com todos os sentidos do meu corpo. 
Ainda me levanto a acreditar em nós. E se houver uma morte justa é um para o outro que morreremos. “E morreram felizes para sempre” é o que ainda espero da vida.
Não fiques convencida mas acho que és a minha morte favorita. 
Procuro-te em cada mulher que me procura, e em cada uma há um pedaço de ti, um sorriso aqui, uma expressão ali, e é assim que te amo aos pedaços, que te consumo às peças, desesperado e lento, em busca de sensações pequenas que juntas te tragam inteira. Amar é muitas vezes juntar fragmentos para conseguir um todo que não existe, que não voltará a existir, mas que ainda assim continua a existir e nunca deixará de existir. Não sei se é possível a vida depois de ti, mas sei que enquanto houver corpos que te tragam aos poucos vou conseguir aguentar. Volta para sempre ou nunca mais apareças. Imaginar que um dia voltas só me faz imaginar que um dia partes. E eu posso aguentar tudo menos outra vez as tuas costas a virarem, outra vez a sensação de que é possível um corpo ficar oco por dentro quando se perde um amor tão pesado. 
Posso aguentar tudo menos tu inteira a levares-me inteiro. 
Quero a vida toda a amar os teus braços. Quero as conversas sem sentido na cama antes de deitar, o prazer eterno de nos sabermos para sempre; e nada do que é material nos consegue tocar, porque o que nos junta são certezas e nenhuma dúvida sabe qual é a nossa morada. Sabes que és de mim como és da vida, e que por mais afastada que queiras estar só te encontras quando me pertences. Despeço-me de ti todas as noites, imagino-te no teu ritual de adormecimento (mãos entrelaçados como se pedisses ao céu que te desse mais um dia, só mais um dia, de vida para gozar), antes de te abraçares a um qualquer corpo que sabes que sou eu e que eu sei que somos nós. Quando estiveres farta de sofrer podes voltar. E até lá livra-te de não teres todos os orgasmos possíveis, para que regresses pura ao princípio do nosso tempo. 
Somos o orgasmo primordial sempre que regressamos aos corpos. 
E se a imortalidade existir já vem depois de nós."

Pedro Chagas Freitas


(Ficam estas palavras a bailar-me por dentro... Posso aguentar tudo menos tu inteiro a levares-me inteira.)

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