29 de dezembro de 2017


"Gostava de te dizer todas as mil palavras que correm como animais selvagens na minha cabeça até ficar desorientado...
Como eu gostava que elas se juntassem em pequenas alcateias, formando assim frases que fizessem sentido, para deixá-las explodir para o mundo, cá fora, onde vivemos, para a realidade e assim respirarem, mas... elas só vivem no meu mundo... elas correm livremente no meu ser, percorrendo-me, alimentando-me, até eu ficar selvagem como elas...
Eu sei... eu sei que se eu as deixar sair vão transformar-se em realidade e tenho medo. Medo de encarar essa realidade. Medo do impacto dessa realidade... mas mais medo por saber que essas palavras soltas, desorganizadas e selvagens, são palavras que nunca irás conseguir juntar...
Por isso, guardo-as. Aprisiono-as dentro de mim, onde correm livremente...
Sabes? Perdi a conta das frases que escrevi, na minha cabeça, para ti, na esperança que elas fizessem sentido... qualquer tipo de sentido! Talvez não tanto para ti, mas para mim... E vou guardando-as, soltas e perdidas por aí... Talvez um dia as junte e finalmente façam sentido... Para mim... Para ti... Para nós! Um dia... Um dia quem sabe?!
Até lá continuo a escrever-te. A guardar-te em frases. A decorar-te em palavras. Palavras que são tanto minhas como tuas, meu Amor!"

I
(2016)

27 de dezembro de 2017

"Não preciso te tocar...
nem sequer te ver,
o meu corpo sente-te,
a minha essência decifra-te...
Não busco explicação,
apenas gosto...
quando fluis pelo meu corpo,
quando "atiças" o meu desejo
e despertas a minha vontade!
Não precisas falar...
a tua sensualidade,
a tua essência,
o teu sorriso,
os contornos do teu corpo...
sei-os de cor
não preciso te tocar...
não preciso te ver!
Sinto-te em mim, uma parte de mim!"

João Carlos Aleixo

6 de setembro de 2017

Amor e outros crimes em vias de perdão
Alice Vieira

1
tu nunca hás-de entender o tamanho das noites
em que gastei tudo o que havia
por dentro dos meus olhos
os rios que de ti desaguaram sempre
nas minhas veias

eu não sabia
ou talvez já o tivesse esquecido
como podem ser mortíferas as cinzas
das palavras que um dia tiveram asas

e ainda mais mortíferas as garras
que nos destroem com os pequenos medos quotidianos
a que não podemos escapar
porque as sílabas da paixão são sempre
os primeiros objectos a serem retirados do quarto
para que tudo regresse à prateleira certa
e de manhã a poeira nos vista
tranquilamente
como um hábito

e foi por isso que nessas noites morri muitas vezes
enquanto as secretas palavras de adeus alastravam
pela foz do teu desejo
e a minha pele se despia
vagarosamente
da tua

2

eu gostava de poder dizer
que entrei no teu corpo como um pássaro
espreitando de invisíveis ruínas
e que o som da tua voz bastava
para me salvar

mas de nada serve inventar palavras
quando as palavras que inventamos
não passam de frágeis lugares de exílio
dos gestos inventados fora de horas
delimitando o espaço de tantas mortes prematuras
de que jurámos ressuscitar um dia

— quando os deuses se lembrassem
de acordar ao nosso lado

3

com passos de nevoeiro saíste de mim e disseste
agora vou morrer noutro corpo
para que nunca mais tenha na minha pele o pânico
das madrugadas que me levavam ao remorso
de acordar no mais fundo de ti

saíste com passos de nevoeiro
e disseste desculpa ser assim
e eu nem respondi porque sabia
que não eras tu que desaparecias mas apenas
o que em teu nome um dia tinha vindo

para que eu não morresse tão longe do lugar do amor

4

com que palavras irei escrever agora o nome
das horas que entram pela cama em que noutra vida
te ensinei o caminho do meu corpo
e da justeza dos gestos com que a alegria
se desenhava em mim quando dizias
agosto tu vais ver é a nossa pátria

nessa altura o verão vinha ainda muito longe
e por isso era possível acreditar em frases dessas
esperando que tudo acontecesse
como nos perdoáveis lugares-comuns dos filmes
que estreiam sempre no natal
e furiosamente desejei que a paixão se enredasse
entre os limos e sargaços das tuas pernas

mas agosto foi apenas um lugar de emboscadas
em todos os precipícios da nossa cama
e lentamente as águas definiram
com rigor implacável
o que sobrava de ti nas minhas mãos
e o silêncio baixou sobre as águas
como antes da invenção do mundo

e agora não sei onde acaba o teu nome

e começa o nome de deus

5

a língua sobre a pele o arrepio
os teus dedos nas escadas do meu corpo

as lâminas do amor o fogo a espuma
a transbordar de ti na tua fuga

a palavra mordida entre os lençóis
as cinzas de outro lume à cabeceira

da mesma esquina sempre o mesmo olhar:
nada do que era teu vou devolver

6

entre a saliva e os sonhos há sempre
uma ferida de que não conseguimos
regressar

e uma noite a vida
começa a doer muito
e os espelhos donde as almas partiram
agarram-nos pelos ombros e murmuram
como são terríveis os olhos do amor
quando acordam vazios

7

deito-me à sombra das tuas pernas
e o corpo arde em todos os movimentos
que não ousaste prolongar
na toalha branca da minha pele

deste lado a dor
é completamente minha
e por assim dizer inútil

era capaz de jurar
que nem me viste

14 de fevereiro de 2017

"Não voltaste. Ainda não voltaste. E parece que desta vez foi de vez. Estarás vendido entre os outros braços das outras mulheres que te aceitam em pedaços. E eu aqui estou, em pedaços mas inteira, à espera de que percebas que isto que nos une é um privilégio tão grande que tem de exigir exclusividade. Se não voltares, não te preocupes comigo. Vou continuar a mesma apaixonada de sempre no lugar de sempre, à espera do homem de sempre. Até que chegue, lentamente, alguém que me ensine a desprogramar-te de mim, a diluir tudo o que tenho de ti por dentro do que me sustém."
_________________
Pedro Chagas Freitas in "Prometo Perder"

30 de janeiro de 2017

There.

Por vezes as palavras pulsam na violência do desejo: esse fio fino e sensível a dilacerar a pele, a dilatar os poros. Abrir o livro, encontrar-te sempre nas mesmas páginas é o principiar de uma viagem pela volúpia. É doar a minha carne aos teus sons. A impossibilidade de estar contigo agudiza-me os sentidos. Escrevo. O meu corpo quer dissolver-se nestes instantes em que a gravidade revela a sua presença. Ser névoa espessa e dourada. Habitar-te por parte completa das cores que desconheces.
Mordes-me a realidade. Recordas-me que por muito que escreva a palavra exacta será sempre a que guardas abotoada na margem dos teus lábios. Alienar-me com o texto onde és a minha - perfeita - linguagem paradisíaca.




16 de janeiro de 2017


Escreve-me uma carta.
A última das cartas.
Despeja todas as palavras que me querias dizer e não disseste.
Todos os sentimentos.
Todas as frustrações.
Todos os beijos, abraços e carícias.
Todos os dias maus e bons.
Todo o prazer e luxúria.
Todas os erros, teus e meus.
Não deixes nada por dizer, nada por sentir.
Esvazia-te no papel, nas letras, na pontuação.
Escreve-me...

Escreve-me.

11 de janeiro de 2017

Porque será tão difícil esquecer o que magoa?
Esquecemo-nos tantas vezes das coisas boas.
Mas as más... As más... essas parecem que nos assombram.
Tanto que queria um botão de ligar e desligar.
Tanto que queria esvaziar-me!

22 de junho de 2016

Não sei o que sou.
Não sei para que sirvo, se é que temos de servir para alguma coisa.
Não sei qual o meu papel aqui, se é que temos de ter algum.
Não sei se amo ou se alguma vez amei.
Não sei se vou com a maré ou se a maré vai comigo.
E nem sei onde. Se é que vou para algum lugar.
Nem sei se tenho de ir. Seja onde for. Como for. Com quem for.
Não sei nada.
Não sei com que olhos me vejo. Nem sei se me vêem sequer.
Não sei como serei aos olhos dos outros. Talvez não me vejam sequer.
Não sei.

27 de maio de 2015

"Já que tem de doer, que seja amor. Já que tem de doer - e tem de doer (por mais quer queiras acreditar, e faz bem acreditar, que não, viver tem de doer) - que seja amor.
Amor do bom, do que te leva ao mais fundo de ti, sim; mas também do que te leva ao mais alto de ti, ao mais pico de ti - à absoluta euforia, ao mais demencial orgasmo de ser. Já que tem de doer, que seja até à última gota - de suor, de esperma. De vida. Até à última gota: eis a maior das filosofias. Eis a única das filosofias."

Pedro Chagas Freitas, in "Eu Sou Deus"

15 de abril de 2015






Não sei quanto mais tempo aguento esta falta de ti.
Já te despachavas dessa tua missão impossível.
Talvez já seja hora, não?
Aliás, deve estar mais do que na hora.
Tu sabes que sim.
Sabe-lo a cada corpo que finges amar.
A cada pele que sentes que não é a minha.
De quanto mais precisas para saber que sou eu?

2 de março de 2015

"O meu mundo não é como o dos outros, quero demais,
exijo demais, há em mim uma sede de infinito,
uma angústia constante que eu nem mesmo compreendo,
pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada,
com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não
se sente bem onde está, que tem saudades... sei lá de quê!"

Florbela Espanca

27 de fevereiro de 2015



Tropeço nas palavras.
Nas que não te digo. Nas que não te disse.
Encontro-as espalhadas pela casa.
Estão por todo o lado. Amontoadas.
São usurpadoras do espaço.
Acumulam pó. Memórias. Imagens. Sons.
E recordam-me de ti.
Tanto.
Deveria lembrar-me de te esquecer.
Mas nem disso me lembro. Só de ti.

29 de novembro de 2014

4 de outubro de 2014

E é isto.
Eu aqui.
Tu aí.
Distantes.
Ocos.
Perros.
Cegos.
Culpados.

24 de setembro de 2014

"O corpo tem degraus, todos eles inclinados
milhares de lembranças do que lhe aconteceu
tem filiação, geometria
um desabamento que começa do avesso
e formas que ninguém ouve
O corpo nunca é o mesmo
ainda quando se repete:
de onde vem este abraço que toca no outro,
de onde vêm estas pernas entrelaçadas
como alcanço este pé que coloco adiante?
Não aprendo com o corpo a levantar-me,
aprendo a cair e a perguntar."

José Tolentino Mendonça, in "Estação Central"

16 de setembro de 2014

Resta-me abraçar-te em suspenso.
Como quando te privas do ar.
Exactamente quando inspiras fundo e permaneces assim... pendente.
Os segundos que se apartam uns dos outros.
Talvez seja isso que nos resta. Abraçar-te em suspenso.
Para que te encontres. Para que perdure. Só mais um pouco.

15 de setembro de 2014

Cobres-me os poros de uma tinta opaca.
Desenhas com as pontas dos dedos coisas imperceptíveis. Letras. Símbolos. Códigos.
Cegas-me com a luz que emanas quando o teu olhar me procura. Por entre o teu corpo. Escondida.
Acredita que me ensurdeces quando da tua boca saem melodias estranhas. Palavras esquivas. Sons obtusos.
É precisamente o me seres estranho que me dá abrigo.
E gosto. Gosto-te estranho. Louco. Difuso. Apraz-me tentar encontrar-te o fio da meada.
Seduz-me obedecer-te. Estranhamente.
E obedeço. Cumpro. Deixo que me leves. Que me coordenes os movimentos.
Ris. Rimo-nos.
Nus. Crus.
E caem por terra todas as premissas.


16 de julho de 2014

"Tocas-me na pele e eu sei que vivo, as mãos procuram o teu corpo à procura da salvação dos teus ossos."

in "Prometo Falhar", de Pedro Chagas Freitas

25 de junho de 2014